[MdCult] - A Hora do Medo - Curacanga

Day 4,387, 12:43 Published in Brazil Brazil by Ministerio da Cultura


Ministério da Cultura - Gabinete do Terror
eBrasil, Domingo, 24 de novembro de 2019
dia 4,387 do Novo Mundo



Olá, eBrasileiros!

Sejam bem-vindos ao quadro mais assustador do Ministério da Cultura: A Hora do Medo. Nesse projeto compartilhamos com a população, histórias, lendas e contos de terror, sempre que possível correlacionando-o com algum elemento do folclore brasileiro.

Cidadão, acomode-se na sua poltrona, pegue sua caneca de chá, sintonize a rádio nas músicas de suspense, reduza as luzes do ambiente e venha conosco.

Curacanga


Sofia estava sentada na cadeira de balanço, passando a mão na barriga grande e redonda quando ouviu os passos de seu esposo André chegando.


- Sofia, você tem que dar um jeito na sua mãe. Ninguém aguenta mais aquela baboseira!

Ela sabia que André vinha se sentindo pressionado, pois a chegada do bebê era esperada por toda a família que havia chegado faziam algumas semanas no sítio. O casal tinha esperanças para um menino, pois já tinham seis meninas.

- Não dê ouvidos, querido. Mamãe insiste em repetir as crendices da vovó! Fique tranquilo, vou conversar com ela.

Com isso, se levantou, deu um beijo na testa do marido e desceu para confrontar a mãe. Dona Ziza já tinha lá seus oitenta anos e acreditava piamente nas histórias com as quais cresceu, mas se irritava com a ignorância alheia que dizia que “tudo tinha uma explicação”. Se irritava ainda mais com a filha, a qual tinha ensinado tudo que sabia sobre o místico e parecia que tinha simplesmente ignorado.

Ziza estava tricotando um par de sapatinhos com laços, pois ao contrário de toda a família, já sabia que vinha uma menina, a sétima filha. Era isso o que mais preocupava Ziza.


Interrompendo seus devaneios, ouviu alguém descendo as escadas e já previa que era Sofia. Ela sabia que a tentativa de colocar juízo na cabeça de André tinha falhado só pela cara do genro.

- Mamãe, o que está aprontando?

- Um par de sapatinhos. – disse Ziza ironicamente.

- Não me venha com ironias, mamãe. O que a senhora falou pro André dessa vez? Aquela história de curacanga de novo? – Sofia estava irritada, ouvia essas lendas desde criança. No começo tinha medo, mas conforme crescia, não via sentido naquelas histórias.

- Disse o que precisava ser dito, minha filha. Vocês não casaram na igreja, isso é um grande pecado para a nossa religião! E como se não bastasse, terá a sétima filha em pouco tempo! Como é que você dorme sem se preocupar?! Já falei um milhão de vezes e vou continuar, a sétima filha de um amor pecador será...

- A curacanga, uma cabeça ambulante de fogo que assusta quem passar seu caminho. Sei disso, a senhora me conta essa história desde que me conheço por gente, mas já está na hora de ficar na realidade! – gritou Sofia. – Estamos esperando um menino e mesmo que seja uma menina, isso são mitos, mamãe! Não existem. Então, por favor, pare de ficar enchendo a cabeça do André de asneiras ou quem vai acabar brigando com você da próxima vez é ele! – com isso, Sofia saiu batendo os pés.

- Ora, depois não diga que não avisei. – disse Ziza baixinho, olhando pela janela da sala com preocupação.


Alice nasceu com saúde, cor de rosa e de choro forte. Era esperta, curiosa e de uma energia sem igual. Foi no seu aniversário de 12 anos que tudo começou a ficar estranho.

Mais uma vez estavam no sítio da família, realizando os preparativos para a festa da caçula. Alice sabia que as irmãs mais velhas não conseguiriam vir, porque estavam em época de provas na faculdade, mas ela teria a companhia da quinta e sexta irmã, Marina e Ana. Ana tinha 14 e era extremamente medrosa, mas Marina, que tinha 16, sempre as colocava em apuros, pois adorava aventuras. Alice adorava se meter nas ideias de Marina, mas acaba se safando das broncas no último minuto por ser a caçula.

A festa seria no sábado, um almoço delicioso estava sendo preparado e a família estava arrumando o sítio a semana toda. Era noite de sexta-feira e Sofia deixou as meninas mais livres, pois faltava muito pouco para a festa.

- Mããe, podemos ver os cavalos? Por favor, diz que sim! – disse Marina toda empolgada.

- Os cavalos estão depois do rio, Marina. É muito longe. Vá ver os cavalos do estábulo, cuide das suas irmãs e volte antes da meia-noite. Precisamos acordar cedo amanhã.

- Pode deixar, mãe! Ana, Alice! Vamos ver os cavalos, mamãe deixou! – disse Marina pegando a mão das irmãs.

- Alice fica, ela é a aniversariante e precisa descansar. – disse Sofia puxando Alice pra perto. – Vá tomar um banho e já pra cama.

- Mas mãe... – disse Alice fazendo bico.

- Nada de mas, vá já, mocinha. Você tem um dia importante amanhã. Verá os cavalos outra hora.

Enquanto Alice subia, Marina e Ana foram correndo pros estábulos. Alice não insistiu tanto quanto de costume pois estava estranhamente cansada aquele dia. Já Marina e Ana estavam a todo vapor.


- Ana, vamos ver os cavalos depois do rio, lá é muito mais legal. Aqui só tem cavalo manso, quero ver os mais bravos!

- Mas a mamãe deixou? – disse Ana preocupada. Marina sempre a enganava e ela acabava de castigo junto.

- Claro que deixou, só temos que voltar antes da meia-noite. – disse Marina correndo em direção ao rio.

Ana e Marina chegaram ao rio e ficaram deslumbradas com a paisagem. As estrelas estavam brilhando forte no céu, os cavalos estavam serenos com seus pelos lustrosos... E elas acabaram perdendo a noção do tempo.


Ana estava fazendo carinho num potro, enquanto Marina jogava pedras no rio quando as duas sentiram um frio esquisito. Uma névoa cobriu o local que estavam e as duas grudaram uma na outra.


- M-m-marina, o que é isso? – disse Ana petrificada.

- Deve ter só esfriado, acho que está na hora de voltar. – disse Marina desconfiada.

Nesse momento, as duas viram algo brilhante de um vermelho e amarelo chegando perto. Parecia uma estrela cadente, mas muito maior. Elas começaram a sentir o calor e de repente, uma cabeça grande, envolta em fogo, surgiu na frente delas. Com um grito estridente, Ana e Marina não pensaram duas vezes: saíram correndo.


Nesse mesmo momento, no sítio, Sofia ia para o quarto de Alice verificar se a menina tinha cumprido suas ordens. Ao entrar no quarto, deu um grito. Os parentes que estavam dormindo, inclusive André, acordaram e saíram para ver o que estava acontecendo. Todos pararam no corredor e viram a cara pálida e assustada de Sofia, apontando para o quarto de Alice. Se prontificaram na porta do quarto da menina e André, passando por toda aquela multidão de parentes petrificados, conseguiu finalmente ver o que a esposa havia visto.

A energia do quarto era sombria, uma névoa espessa pairava dentro do quarto e saía pela janela. Na cama, jazia o corpo da menina, num sono profundo, mas no lugar da cabeça estava um espaço vazio, como se tivesse sido decapitada.
Explicação da história

A Curacanga (Maranhão) ou Cumacanga (Pará) é uma personagem do folclore brasileiro. A lenda diz que sempre será a concubina de um padre ou a sétima filha de um amor sacrílego, ou seja, pecador. Basílio de Magalhães diz que "Quando qualquer mulher tem sete filhas, a última vira Curacanga, isto é, a cabeça lhe sai do corpo, à noite, e em forma de bola de fogo, gira à toa pelos campos, apavorando quem a encontrar nessa estranhar vagabundeação. Há, porém, meio infalível de evitar-se esse hórrido fadário: é a mãe tomar a filha mais velha para madrinha da ultimogênita." Daí, o nome curacanga, da deturpação fonética(corruptela ou dissimilação) do tupi-guarani – cunhãacanga – cabeça de mulher.

Esta criatura tem sua origem na Europa medieval na crença de que a sétima filha seria uma seguidora de Satanás. Não apenas na Europa, mas também na Ásia, há a tradição de cabeças humanas que voam destacadas do corpo espalhando o terror. No Brasil, a lenda é usada para explicar os fenômenos luminosos ou bolas de fogo que se tornaram notícia e ocorrência comum entre os maranhenses da Baixada.


Autor do projeto A Hora do Medo: Zero Bone
Autora do conto: Lady Nakeesha Velaryon

Não sou o Zero, mas sugestões e críticas serão sempre bem-vindas. Fique a vontade para comentar abaixo ou me enviar uma mensagem privada por qualquer meio de contato. Conto com a participação e feedback de todos para construir um Ministério mais divertido ou assombrado!


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