[BdRA] Reflexões habermasianas sobre a política brasileira

Day 3,667, 20:42 Published in Brazil Argentina by Rick Adams


eBrasil, 05 de dezembro de 2017, dia 3667 do Novo Mundo.

A pluralidade de visões de mundo é uma característica das sociedades contemporâneas. No entanto, a coexistência entre formas distintas de pensar, algumas irreconciliáveis, desperta neste ambiente uma série de conflitos. Não por acaso, problematizar as tensões modernas tem sido uma grande questão dentro da sociologia, sobretudo no que tange as maneiras pelas quais estes conflitos podem ser amenizados.

Neste cenário, destacam-se, sobretudo, as contendas provenientes da dinâmica entre a religião e espaço público. Para entendermos melhor esse fenômenos, cumpre uma breve revisão histórica até os tempos atuais.

Nas aulas de história certamente todos aprenderam que a Proclamação da República ocorreu em 15 de novembro de 1889. Dois anos depois, em decorrência da nova forma de governo foi promulgada a primeira Constituição da era republicana, em que se estabeleceu dentre outros itens, a separação entre Estado e Igreja. Tal princípio se tornou presente em todas as Constituições subsequentes, contudo a presença religiosa não sumiu da esfera secular, basta para isso observar no Congresso Nacional a existência de uma bancada religiosa. Tudo bem que por ter sido um país altamente influenciado pelo catolicismo em sua trajetória histórica, possa ser difícil esse apartamento no seio da nossa sociedade, no entanto a persistência religiosa no mundo secular longe de ser um fenômeno exclusivamente brasileiro, se mostra evidente no mundo todo. Motivo pelo qual, alguns teóricos, como Jürgen Habermas, procuraram refletir sobre esse aspecto moderno.

Nascido na Alemanha, Habermas faz parte da segunda geração da Escola de Frankfurt, sendo hoje um dos mais importantes sociólogos vivos. Famoso pela “Teoria do Agir Comunicativo”, Habermas dedicou alguns escritos a respeito da presença religiosa na arena pública secular. Segundo o frankfurtiano, o mundo moderno pode ser definido a imagem do Deus grego "Jano", porquanto a difusão religiosa no mundo e sua cada vez mais expressiva notoriedade na arena política contrasta com os ideais modernos de racionalização e secularização. (HABERMAS, 2013, p. 3-4).


Diante disto, Habermas nos propõe uma “sociedade pós-secular”, ou seja, um modelo em que se reconheça a persistência religiosa nas sociedades secularizadas, ao passo em que se acomode os discursos religiosos no espaço público. Para tanto, segundo o sociólogo, faz-se necessário uma "mudança de mentalidade" em ambos os pólos deste tabuleiro, de um lado os religiosos devem abrir mão de uma visão absoluta do mundo, enquanto os não religiosos devem reconhecer que existem nas comunidades virtuosas conteúdos de “verdade”, ou seja, deixar de tratar a “fé” como algo irracional. Sem esse impulso, o diálogo entre estes cidadãos se torna impossível e, consequentemente, inviável uma "sociedade pós-secular". (HABERMAS, 2007, 157-15😎.




Posto este breve resumo sobre o pensamento habermasiano, cumpre pensar à luz da sua proposta a política brasileira ingame. Tal como delimitado acima, não seria equivocado dizer que vivemos o antagonismo da “cabeça de Jano”: de um lado a ARENA, do outro os anti-arenistas. Seguindo neste recorde, ante todo ódio suplantado por ambos os lados, num processo que já dura algum tempo, o diálogo é uma palavra alienígena neste espaço. Não obstante, a persistência da ARENA diante de uma maioria que opõe-se a ela, torna o eBrasil congênere a “modernidade”.

Se o cenário retratado por Habermas se encaixa perfeitamente a nossa realidade virtual, mudando evidentemente os atores sociais, podemos por lógica aplicar como saída para esse “cabo-de-guerra” o ideal habermasiano de “sociedade pós-secular”. Para quebrarmos com esse dilema e resgatarmos o módulo político do caos em que encontra, cabe uma “mudança de mentalidade”, em que ambos os lados abdicam de uma "visão totalizante de jogo". A ARENA não deve ser tratada como um “vírus” a ser combatido, nem os outros como se fossem inimigos da pátria. Todos têm condições de auxiliar o país e é sim possível um espaço em que visões irreconciliáveis dialoguem entre si.

Mais do que nunca faz-se necessário largar mão de ressentimentos passados e estancar a difusão do ódio. Se este pensamento reverberar por entre as zonas mais insensíveis do jogo, daremos um passo importante em prol de uma comunidade mais unida e divertida. Do contrário, sempre que a demonização do outro for à maneira de fazer política, o eBrasil estará condenado a uma verdadeira titanomaquia.

Para não me alongar tanto continuarei tratando do assunto num outro momento, mas até o próximo artigo, convido a todos a levarem a efeito uma “comunidade pós-secular”.


* Evidentemente não trago neste artigo uma revisão bibliográfica sobre Habermas, logo muitos detalhes de seu pensamento não estão sendo postos, recomendo, portanto, aos interessados no assunto a leitura do livro “Fé e Saber”, que na minha opinião é o ponto inicial para aqueles que têm o desejo de caminhar no solo habermasiano.


REFERÊNCIAS:

HABERMAS, Jürgen. Entre Naturalismo e Religião. Tradução de Flávio Beno Siebenachler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2007.

______. Fé e Saber. São Paulo: Editora Unesp, 2013.