O Brasil, o ebrasileiro e a Democracia

Day 1,934, 17:06 Published in Brazil Brazil by Varnhagen

Meus caros amigos,

Optar pela democracia, creio eu, não deveria ser nunca uma questão. Pelo contrário, deveria ser lugar-comum, como pipoca no cinema e beijo em novela. Um finado primo meu, que viveu as agruras do exílio, dizia que certas pessoas nascem com o gene da democracia e outras não. Nascíamos de direita, de esquerda, num calvinismo definitivo. Sua visão política não comportava um centro e como Paulo, judeu que fundou o Cristianismo, tinha horror dos “mornos”.

Tenho por mim que a democracia, ao contrário dessa visão, não é coisa nata. Não nascemos ou crescemos democráticos. Aliás, a coisa menos democrática do mundo, de deixar Stalin, Hitler, Pol Pot, Franco e o diabo a quatro no chinelo, é uma criança nos seus primeiros anos de vida. Com esses, não há definitivamente a possibilidade do diálogo, do contraditório. Desconhecem o outro e suas necessidades, portanto não podem se ver no outro, não reconhecem a alteridade e nada além dos próprios umbigos.

Uma definição pra lá de boa para esses enfants terribles é a do “perverso polimorfo”. O nome já diz tudo: neles, a perversão tem formas diversas, máscaras variadas. Então, julgo que, de berço, nascemos uns bons ditadores. E acrescento: com uma queda danada para o totalitarismo. Democracia não. Democracia é construção, não cai da árvore do dia para a noite e nem pode ser sacada de uma cartola, num passe de mágica. Nós nos tornamos democráticos. Alguns não, é mister reconhecer e a história está abarrotada desses, tanto no “mundo real” quanto no e-mundo. Mas não são regra, quero crer. São exceção, visto que no Ocidente, a cada dia que passa, a Democracia se torna também cada vez mais um fim e um meio.

No Brasil –e não há como operar uma divisão entre Brasil e eBrasil, sob o risco de sermos tachados de esquizofrênicos- temos pouca cultura democrática. Até pouco tempo atrás, parcela significativa do Brasil real dizia preferir uma ditadura ao modelo democrático vigente. Quero crer que a pior das democracias é preferível à melhor das ditaduras, como bem sublinhou alguém que agora não me recordo. A Democracia é uma construção: nos tornamos democráticos à medida que vivenciamos a experiência democrática.

No eBrasil, ainda temos um largo chão a percorrer. Visões cristalizadas e distorcidas do Estado, personalização da política, desprezo pelos princípios republicanos, patrimonialismo, autoritarismo e tantos outros ismos ainda fazem parte de nosso cotidiano. Muita das vezes o Público é confundido com o Privado (não só em relação aos cofres da “viúva”, mas no nosso “fazer” político) e quando ocorre essa confusão, ficamos um tanto quanto diminuídos e nossas instituições políticas mais frágeis.

Nessa conjuntura, a Democracia claudica, se esgarça e esquecemos que não foi o povo feito para o Governo, mas, o Governo para o povo. Não foi feito o povo para o Congresso, mas o Congresso como representação do povo. Parece simples, parece primário. Não é. O exercício da Democracia é uma estrada exígua, exige paciência e exige fôlego. E uma habilidade imensa em engolir sapos, exaurir argumentos, construir relações profícuas.

A política do eBrasil é, em muitos aspectos, um reflexo embaçado de nossa política real. E cabe a cada um de nós, do novato que entra hoje no jogo ao mais antigo de nossos ecidadãos, mudar essa realidade que nos atravanca e nos diminui. Quando dermos adeus às praticas autoritárias, ao elogio do discurso único, às tentativas de desqualificação dos indivíduos e das idéias divergentes, ao clientelismo, ao patrimonialismo, ao “Sabe com quem está falando?”, daremos também um salto à frente e novas potencialidades surgirão, como brotoeja em pescoço de recém nascido, no verão.

Democracia se faz com instituições políticas fortes, com isonomia e respeito entre os poderes constituídos da nação, com observância às regras e com o zelo constante, cotidiano pela liberdade de expressão e de pensamento. Afinal, como dizia o velho Voltaire, “posso discordar de tudo o que você diz, mas morrerei lutando para que tenha o direito de dizê-lo”...

Um abraço, ex cordis,
Varnhagen, aka Mahdi