"Um canhão pelo cú" - Coisas da RL
RATM1917
Se percebemos bem - e não é fácil, porque somos um bocado tontos -, a economia financeira é a economia real do senhor feudal sobre o servo, do amo sobre o escravo, da metrópole sobre a colónia, do capitalista manchesteriano sobre o trabalhador explorado. A economia financeira é o inimigo da classe da economia real, com a qual brinca como um porco ocidental com corpo de criança num bordel asiático.
Esse porco filho da puta pode, por exemplo, fazer com que a tua produção de trigo se valorize ou desvalorize dois anos antes de sequer ser semeada. Na verdade, pode comprar-te, sem que tu saibas da operação, uma colheita inexistente e vendê-la a um terceiro, que a venderá a um quarto e este a um quinto, e pode conseguir, de acordo com os seus interesses, que durante esse processo delirante o preço desse trigo quimérico dispare ou se afunde sem que tu ganhes mais caso suba, apesar de te deixar na merda se descer.
Se o preço baixar demasiado, talvez não te compense semear, mas ficarás endividado sem ter o que comer ou beber para o resto da tua vida e podes até ser preso ou condenado à forca por isso, dependendo da região geográfica em que estejas - e não há nenhuma segura. É disso que trata a economia financeira.
Para exemplificar, estamos a falar da colheita de um indivíduo, mas o que o porco filho da puta compra geralmente é um país inteiro e ao preço da chuva, um país com todos os cidadãos dentro, digamos que com gente real que se levanta realmente às seis da manhã e se deita à meia-noite. Um país que, da perspetiva do terrorista financeiro, não é mais do que um jogo de tabuleiro no qual um conjunto de bonecos Playmobil andam de um lado para o outro como se movem os peões no Jogo da Glória.
A primeira operação do terrorista financeiro sobre a sua vítima é a do terrorista convencional: o tiro na nuca. Ou seja, retira-lhe todo o caráter de pessoa, coisifica-a. Uma vez convertida em coisa, pouco importa se tem filhos ou pais, se acordou com febre, se está a divorciar-se ou se não dormiu porque está a preparar-se para uma competição. Nada disso conta para a economia financeira ou para o terrorista económico que acaba de pôr o dedo sobre o mapa, sobre um país - este, por acaso -, e diz "compro" ou "vendo" com a impunidade com que se joga Monopólio e se compra ou vende propriedades imobiliárias a fingir.
Quando o terrorista financeiro compra ou vende, converte em irreal o trabalho genuíno dos milhares ou milhões de pessoas que antes de irem trabalhar deixaram na creche pública - onde estas ainda existem - os filhos, também eles produto de consumo desse exército de cabrões protegidos pelos governos de meio mundo mas sobreprotegidos, desde logo, por essa coisa a que chamamos Europa ou União Europeia ou, mais simplesmente, Alemanha, para cujos cofres estão a ser desviados neste preciso momento, enquanto lê estas linhas, milhares de milhões de euros que estavam nos nossos cofres.
E não são desviados num movimento racional, justo ou legítimo, são-no num movimento especulativo promovido por Merkel com a cumplicidade de todos os governos da chamada zona euro.
Tu e eu, com a nossa febre, os nossos filhos sem creche ou sem trabalho, o nosso pai doente e sem ajudas, com os nossos sofrimentos morais ou as nossas alegrias sentimentais, tu e eu já fomos coisificados por Draghi, por Lagarde, por Merkel, já não temos as qualidades humanas que nos tornam dignos da empatia dos nossos semelhantes. Somos simples mercadoria que pode ser expulsa do lar de idosos, do hospital, da escola pública, tornámo-nos algo desprezível, como esse pobre tipo a quem o terrorista, por antonomásia, está prestes a dar um tiro na nuca em nome de Deus ou da pátria.
A ti e a mim, estão a pôr nos carris do comboio uma bomba diária chamada prémio de risco, por exemplo, ou juros a sete anos, em nome da economia financeira. Avançamos com ruturas diárias, massacres diários, e há autores materiais desses atentados e responsáveis intelectuais dessas ações terroristas que passam impunes entre outras razões porque os terroristas vão a eleições e até ganham, e porque há atrás deles importantes grupos mediáticos que legitimam os movimentos especulativos de que somos vítimas.
A economia financeira, se começamos a perceber, significa que quem te comprou aquela colheita inexistente era um cabrão com os documentos certos. Terias tu liberdade para não vender? De forma alguma. Tê-la-ia comprado ao teu vizinho ou ao vizinho deste. A atividade principal da economia financeira consiste em alterar o preço das coisas, crime proibido quando acontece em pequena escala, mas encorajado pelas autoridades quando os valores são tamanhos que transbordam dos gráficos.
Aqui se modifica o preço das nossas vidas todos os dias sem que ninguém resolva o problema, ou mais, enviando as autoridades para cima de quem tenta fazê-lo. E, por Deus, as autoridades empenham-se a fundo para proteger esse filho da puta que te vendeu, recorrendo a um esquema legalmente permitido, um produto financeiro, ou seja, um objeto irreal no qual tu investiste, na melhor das hipóteses, toda a poupança real da tua vida. Vendeu fumaça, o grande porco, apoiado pelas leis do Estado que são as leis da economia financeira, já que estão ao seu serviço.
Na economia real, para que uma alface nasça, há que semeá-la e cuidar dela e dar-lhe o tempo necessário para se desenvolver. Depois, há que a colher, claro, e embalar e distribuir e faturar a 30, 60 ou 90 dias. Uma quantidade imensa de tempo e de energia para obter uns cêntimos que terás de dividir com o Estado, através dos impostos, para pagar os serviços comuns que agora nos são retirados porque a economia financeira tropeçou e há que tirá-la do buraco. A economia financeira não se contenta com a mais-valia do capitalismo clássico, precisa também do nosso sangue e está nele, por isso brinca com a nossa saúde pública e com a nossa educação e com a nossa justiça da mesma forma que um terrorista doentio, passo a redundância, brinca enfiando o cano da sua pistola no rabo do sequestrado.
Há já quatro anos que nos metem esse cano pelo rabo. E com a cumplicidade dos nossos.
Juan José Millas
Comments
Completamente alucinante!
... Mas gosto, dessa mistura da era Medieval com os nossos tempos! Tirando a parte "Há já quatro anos que nos metem esse cano pelo rabo"
Votado apresentação e pela escrita diferente. Subscrito also.
A verdade é que a era medieval não é tão distante da nossa como possa parecer...
Nem penses nisso...que até te faz mal 🙂
Realmente adorei este artigo do Juan José Millás. Dá para pensar. Boa tradução!
Eu votei neste artigo.
É muito triste mas, o que aqui foi descrito, corresponde à verdade.
Mas não nos deve-mos esqueçer que o grande problema de Portugal e Espanha, foi o crédito mal-parado (crédito não reembolsado).
As pessoas andaram anos a gastar o que não tinham e agora não pagam o que devem aos bancos.
Resumindo, a culpa também é nossa por dois motivos:
- Quem vota somos nós, para eles lá estarem a fazer tudo à maneira deles.
- Somos incumpridores dos nossos compromissos.
O grande problema de Portugal, Espanha, Grécia - agora segue-se a Itália - foi e é o funcionamento dos mercados e o poder desmesurado das agências de rating, que são árbitros e players ao mesmo tempo. Depois mistura-se o poder económico com o político, sendo que por norma o segundo submete-se ao primeiro e entorna-se o caldo.
Tem culpa quem vota, claro e também quem não vota.
Nós não andámos a gastar o que não tínhamos. Nós andámos a gastar o que achámos que iríamos ter.
E teríamos legitimamente. A minha mãe trabalhou 48 anos e foi reformada por invalidez com uma reforma de 500 euros. Um cromo que trabalhe no BdP acumula reformas douradas. Ter uma casa onde viver não é viver acima das possibilidades, é um direito humano básico. E os bancos - que se financiam no BCE a 1% e emprestam dinheiro aos Estados a pelo menos 7%, foram quem mais lucrou com isso, de mãos dadas com os governos PS, PSD e CDS e partidos irmãos de toda a europa.
Engraçado, tive um flashback dos ensinamentos do eFalecido camarada Ligtez.
Votado e subscrito
Votado e subscrito camarada.
Muito bem escrito sem dúvida
http://inconformidades.blogs.sapo.pt/554.html
Copy paste para quê? O artigo é bom, mas a RL não tem lugar aqui.
Dava mais valor a algo com metade das linhas que fosse escrito por ti e relacionasse a tua ideologia com o jogo.
Antes que digam que sou anti-comunista, fui editor disto durante vários meses:
http://www.erepublik.com/en/newspaper/a-vanguarda-184033/1
Os textos eram escritos em conjunto e aprovados pelos membros do comité central.
A ideia mortal (financeira/) consiste em levar os estados a endividarem-se de tal forma q n possam pagar as dívidas. Dp, como compensação, compram-se os recursos e as infra-estruturas ao desbarato.
P/ mais esclarecimentos, fazer 1 pesquisa sobre John Perkins.
@JMPC não gostas, não lês.
Mais: o texto está assinado no fim "Juan Jose Millas" e o original foi publicado no El País, no dia 14 de Agosto, ontem apareceu esta tradução no dinheirovivo.pt, eu gostei do texto e publiquei-o aqui.
PERTAMAX
Adorei, achei inspirador.
o unico problema è a falta de capacidade critica do povo, permitindo que lhe seja impigida toda e qualquer retórica, e quando digo toda è mesmo todos os sistemas de organização social, que como denominador comum visam a estratificação da sociedade.
num excelente artigo enumeras qual memória descritiva os erros e crimes de um dado siatema, mas falhas onde todo o bom Portugues falha, na definição de uma estratègia exequivel e forma da implementar, que prove ser melhor que o sistema actual...
Obviamente votado....
"não gostas, não lês"
^ fraca atitude. não devias ficar zangado por alguém por fazer críticas.
Fraca atitude é alguém vir criticar um texto por ser copy past e por estar relacionado com a RL. Está assinado no final. Eu só fico zangado com coisas da RL, a internet a mim n dá pra chatear,
Vá, não te chateies comigo também...
Aquilo foi mais uma chamada de atenção porque nas regras do jogo está que os artigos devem ser relacionados com o eRepublik
TL😉R
Votadoooo...
O problema é que o comunismo e o socialismo não deram certo!
A única coisa que falta provar - DE VERDADE - é a Anarquiaaaaaaaaaaaaaa..mas n inguem ta preparado p isso!
A única forma de resolve o problema da economia portuguesa, é compra produtos a nivel local em primeiro lugar, depois de produção nacional e com capaital português. Depois produção nacional de estrangeiro... e só quando não houver mais opões, "estrangeiradas"....
Numca devemos esquecer que somos nós quem compra...por isso, o poder da decisão está nas nossas mãos, se quisermos!
TL😉GF