Jazz Plural: Habeas Corpus ad Subjiciendum

Day 604, 05:05 Published in Portugal Portugal by Julio de Matos

Está escuro.

Acordo dorido. Noto que estou dentro de um veículo, os solavancos e curvas da estrada doem-me mais que os punhos de LcfR. Penso que parti uma costela.

Está uma pessoa inanimada junto a mim. Este cheiro é-me familiar. Pelo meio do cheiro a madeira, gasolina, álcool, sangue e pólvora, o after-shave de lastdance consegue ser o mais repulsivo.

Tento mexer-me. Algemado, reparo que estou dentro de uma caixa. Que se lixe, no meu ramo nunca se espera ter um caixão. Muito menos partilhá-lo.

Ambos à porta da morte, não consigo deixar de rir da minha própria imbecilidade.

Arthk.

Extorsão, proxenetismo, tráfico de estupefacientes, subornos.
A cidade beija-lhe as mãos. Polícias, ladrões, juízes. Todos dançam a melodia de Arthk. O seu instrumento é o dinheiro. Escorre GOLD para quem o abraça. Escorre a vida de quem o renega.

Não há moral entre bandidos. Arthk não é excepção, matando, violando e roubando tudo e todos. Dizem no seio da INTERPOL que a sua única amiga é a Beretta 9mm.

Como pude eu ser tão inocente? António Moutinho é apenas um sockpuppet. Uma marionete de meia num dos diversos tentáculos de Arthk.

Tudo começou há meio ano atrás. A INTERPOL tomou conhecimento de uma festa ultra-reclusiva em Villas Boas, Perú. A lista de convidados incluía presidentes esquerdistas sul-americanos, war profiteers, chefes de guerrilhas, barões da droga, viziers e sheiks. A presença do imã Carpete Al-Kameini Tapete suscitou-nos interesse: Não tinha saído do Irão há 14 anos.

acoutinho foi designado para se infiltrar. A importância da missão requeria os melhores dos melhores, e não havia ninguém com mais paleio que acoutinho. Rumores correm que conseguiu adiar a sua execução na Arménia afirmando que a agência pagaria tudo o que fosse preciso para o libertarem. Mentira, mas não deixou de ter efeito.

Se não fosse mulherengo e gabarolas, eu e lastdance poderíamos estar a viver a ilusão de estar atrás de uma secretária a jogar Pong o dia todo, falar de sexo e beber appletinis. Se ele não estivesse em mau estado, só me apetecia prender-lhe a lingua à mandíbula com um prego

lol. A vida nunca corre como a gente espera.

O camião pára. Merda para isto. Tenho o fato arruinado, o orgulho ferido, não sinto a cara e o meu parceiro ainda dorme o sono dos anjos. Ou então entrou em coma. O pulso é fraco.

Oiço francês do lado de fora. Estão a falar de futebol. Malditos cajuns, mais frios e sujos que o fundo lamacento e frio do Mississipi.

Finjo-me de desmaiado. Os pulhas despregam a tampa da caixa onde nos colocaram. Morrer cá dentro... bah! A vida nunca corre como a gente espera...

Somos arrastado pelas traseiras para uma cave de um bar, bem dentro do bairro francês. Outra cave. Estou a começar a habituar-me à humidade e ao cheiro a bourbon.

Lembro-me do euphonix e da sua chapada. Nunca figurava vê-lo no mesmo quarto com um homem, muito menos com um com bigode, nariz de pato e monóculo. Não o reconheci. Não houve tempo. Como pode o maior mercenário do mundo cair tão baixo ao ponto de se tornar um mero lacaio? Porquê, indago para mim próprio enquanto tento recuperar os sentidos e levantar-me. Terá sido dinheiro? Imunidade? Poder? Homens?

Seja o que fôr. É hora de acordar o meu colega. Se ele toca piano, julgo que fala francês. Necessito dele.

lastdance! - Sussurro enquanto o abano - lastdance!

As pupilas dilatam quando lhe abro os olhos. Graças a Dio não é coma. Desmaiou por completo, o maricón.

Oiço uma voz feminina do lado de fora. Malditos cajuns. No dia em que aprenderem a falar língua de gente grande, pode ser que o furacão Katrina perceba que levá-los é um favor à humanidade.

Entra uma morena. Ela faz a expressão "femme fatale" parecer um diminuitivo. Há coisas que um homem nunca deve sofrer e uma delas é pelas mãos de uma mulher. Dois gunas trazem uma mesa com parafernália operatória, agarram em mim e colocam-me numa cadeira. Agradeço o gesto. Se tenho de sofrer, que o faça sentado.

A cara da mulher não me é estranha. Tenho um olho que vê parcialmente e penso que já a vi nalgum lado. Na festa? Não...

De qualquer das maneiras vou descobrir com o tempo.

Espera. Quando cheguei o lastdance não sorria... ah, begueiro! Eu não acredito!


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