Devaneios de namuh #9

Day 3,005, 19:39 Published in Brazil Brazil by Rocha II


Hoje foi falar de uma conversa distante, sobre um dia onde eu não tinha inspiração mas precisava escrever alguma coisa.

Andando em meio aos entulhos de tranqueiras espalhadas pelo porão, eu procurava algo que me desse alguma inspiração, vi algumas recordações e ideias já desgastas e deceptíveis, e quantas mais via, mais meus olhos perdiam o brilho e mergulhavam no vazio que alugueava a minha mente.

Fiquei alguns minutos fitando uma caixa velha que continha dezenas de memórias indesejáveis, como tendo a força drenada pelo vazio que as recordações tristes deixavam em meus redutos de vaidade.

Ainda não havia percebido que tio Airton estava sentado em uma cadeira velha, com o braço esquerdo sobre a mesa como apoio, olhando para a chuva que caía do outro lado da janela, até que um grande barulho de trovão me fez acordar e perceber.

Ele continuara firme à frente da mesa, peguei um tamborete e me aproximei, sentei ao outro lado de costas pra janela, me escorei e enolonhei o meu corpo pra olhar pra chuva também.

Então resolvi puxar assunto:

- Tio Airton, sabe, eu preciso escrever sobre algo pra publicar no jornal e não consigo encontrar inspiração, eu sei, isso não é do seu interesse e tal, mas isso é algo que me assusta um pouco, quer dizer, eu sou um escritor, e um escritor sem inspiração é como um soldado sem uma arma.

Me levantei, olhei pro meu velho tio, ri um pouco de mim mesmo e continuei:

- Eu me sinto vazio hoje, você pode me dizer que é normal que a gente se sinta assim às vezes, mas eu acho que essa é a pior sensação que existe, pelo menos quando eu sinto dor eu sei que estou vivo, mas quando não sinto nada... é como se a vida perdesse o sentido.

Voltei a me sentar, o velho continuava olhando pra chuva, ficamos parados por um tempo até que ele abaixou a cabeça e a deitou sobre o braço dele que estava sobre a mesa:

- Você também se sente assim tio? É por isso que você olhava tão atentamente a chuva?

Saí do meu lugar, fiquei ao lado dele e voltei a minha atenção à janela. Pensei por uns 2 minutos e então continuei a falar:

- Às vezes eu me pergunto porquê a chuva atrai tanto a atenção das pessoas, então percebo que ela me traz recordações do passado, dos dias em que ficávamos todos em casa vendo televisão ou tentando inventar brincadeiras, a chuva tem esse dom de aproximar as pessoas.

Fiquei parado por um tempo, então me veio uma ideia ótima para uma crônica, espirrei, me levantei rapidamente e bati com as duas mãos sobre a mesa sacubindo um pouco o velho:

- Já sei tio! Tive uma ideia ótima! Foi muito bom conversar com o senhor, muito obrigado!

Me preparei pra correr, parei por um instante:

- Vamos conversar de novo qualquer dia tio, é bom ter alguém pra falar de vez em quando...

Corri, tropecei numa cadeira, me tranquei no quarto e fiquei horas escrevendo, até que ouvi um barulho de sirene muito alta a ponto de me desconcentrar, saí do quarto, minha mãe estava estava chorando nos braços do meu pai e havia uma enorme movimentação dentro da casa.

- Pai, o que foi que aconteceu?

- Seu tio meu filho, ele morreu no porão sentado numa cadeira.