[BdRA] Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem

Day 4,462, 21:33 Published in Brazil Argentina by Rick Adams



eBrasil, 08 de Fevereiro de 2020, eDia 4462 do Novo Mundo

AD RUBRICAM

Para não correr o risco de cair na superficialidade, ou mesmo em generalizações equivocadas, permitam-me iniciar esta análise tomando o caminho inverso. Ao invés de seguir o protocolo convencional, isto é, delimitando o tema e os pontos que serão abordados, começarei elencando àqueles aspectos que nossa análise não contempla, seja por uma justificada preocupação em manter um mínimo grau de imparcialidade, seja pelo embaraço que certos assuntos provocam. De qualquer modo, pretendo atingir o máximo nível de tratamento da matéria sem, contudo, esgotá-la, mais uma vez porque sendo este objeto tão amplo e ambíguo, soaria muito presunçoso acreditar que este prelúdio pudesse por um ponto final na discussão. Feita essas breves considerações, vamos então ao que interessa.

Primeiro, não se trata de um artigo com viés partidário, portanto, não tenho a intenção de acusar nenhum grupo político ou indivíduos em específico.

Segundo, o maior objetivo de qualquer análise é oferecer um panorama detalhado sobre um problema, de modo a elucidar seus contornos para o alcance de possíveis soluções.

Terceiro, é verdade que muitas das conclusões a que cheguei parte um pouco das minhas vivências durante o período em que atuei no Ministério das Comunicações, bem como de uma série de conversas e diálogos que eu mantive ao longo da minha trajetória com jornalistas e antigos membros do governo.

Finalmente, não sou um oráculo ao qual se deve recorrer em situações de crise, tal qual a que aqui trataremos, dessa forma, não reivindico a soberba de uma verdade narcísica, antes me coloco num lugar humilde de querer contribuir dentro das condições que eu posso e que o momento me permite. Sem mais delongas, nobres senhores e belas damas, retomemos sem demora o nosso percurso.

A COLONIZAÇÃO DO MÓDULO SOCIAL PELO MÓDULO MILITAR


Uma vez que estamos diante de uma patologia social, qualquer análise que pretenda ser coerente em seus resultados, precisa está respaldada por um confiável marco teórico, que ofereça as categorias necessárias para entender e examinar o problema postulado. Por essa razão, muito embora, nenhum autor possa ser suficientemente completo a ponto de abarcar o mundo em sua teoria, cabe delimitar dentro de um universo possível, qual ou quais autores seriam mais adequados para realizar determinada analise. Não se descuida, por óbvio, que esta escolha também está inserida no âmbito da subjetividade, logo seria impossível estabelecer critérios puramente objetivos, vez que uma opção, por sua própria natureza é em alguma medida (por menor que seja), um ato de vontade. Disso não se deduz que algumas justificativas não possam ser devidamente apontadas, de modo a corroborar com o porquê esta ou aquela opção fora escolhida e esta ou aquela outra descartada.

Assim sendo, como o meu objetivo nuclear é compreender as razões que levaram o declínio do módulo social em função da supervalorização do módulo militar, e que mesmo sendo um jogo, este seria um fenômeno social (dentro de uma sociedade virtual), de antemão, podemos inferir que o mais adequado seria visualizar o problema pelas lentes da sociologia. Por outro lado, havendo uma gama de sociólogos, precisaríamos de um que congregasse em sua teoria dois aspectos fundamentais: primeiro, deveria admitir que a sociedade encontra-se divida em vários blocos distintos, cada um dotado de características e leis próprias; segundo, deveria estabelecer quais as relações entre esses blocos, determinando suas respectivas posições e os possíveis distúrbios decorrentes da falta de equilíbrio entre um e outros. Ora, de imediato poderíamos recorrer a Max Weber [1][2], para quem o processo da racionalização desencadeado na modernidade, provocou uma cisão social tão profunda, a ponto de subdividir o mundo em esferas de valor autônomas, por sua vez, justificadas por um raciocínio próprio, isto é, um modus operandi particular (autorreferencial). Disto decorre, por exemplo, a separação entre Política, Arte, Economia, Direito, Religião, Moral, enfim, esses distintos domínios da vida, cada qual ocupando seu espaço, sem se misturar e, claro, com suas próprias regras postas.

No eRepublik, poderíamos com facilidade identificar essa divisão proposta por Weber a partir do sistema de módulos, basicamente subdividido em quatro grandes grupos: módulo econômico, módulo político, módulo social e módulo militar. Poderíamos, com um pouco mais de esforço, ainda identificar um módulo religioso, como os seguidores do dioísmo, ou mesmo, um módulo artístico/teatral, vide alguns roleplays, que, em verdade, não passam da interpretação de determinados papeis criados dentro de um universo mítico, como a Casa Imperial ou as Famílias da Máfia. Se assim é verdade, Weber parece nos ajudar com a planificação deste cenário, contudo, sua análise não aprofunda quanto aos eventuais distúrbios provocados pela supervalorização de um domínio sobre os outros, nem específica qual seria o ponto de equilíbrio ou que tipo de relação às esferas devem manter entre si. Isso parte de uma necessidade nossa de analisar não as relações dentro de cada uma das esferas - o que por sinal fora tratado por Weber, e também por outros teóricos como Pierre Bourdieu e Michel Foucault -, mas as relações entre as esferas, motivo pelo qual devemos recorrer a outro autor como alicerce das nossas reflexões.

Basicamente, podemos afirmar com Jürgen Habermas [3][4], que sociedade em sua dimensão macro encontra-se separada em dois polos, o mundo-da-vida e o sistema. Não que um sobreviva sem o outro, ou que haja maior ou menor importância aqui ou ali, mas não se pode olvidar que são espaços distintos, integrados por racionalidades também distintas. Enquanto no mundo-da-vida aos atores movem-se segundo uma racionalidade comunicativa, isto é, um tipo de comunicação pelo entendimento, os atores do sistema, estão integrados por uma racionalidade instrumental e estratégica, que visa apenas o alcance de determinados fins, através dos meios eleitos para tal. Enquanto que no mundo-da-vida os sujeitos se relacionam por meio da linguagem, criando um espaço de experiências intersubjetivamente compartilhado, no sistema, são os meios deslinguistizados do dinheiro e poder que orientam as relações, aonde o que importa verdadeiramente são apenas o êxito econômico e político.

Partindo deste lugar, podemos dizer que no eRepublik o módulo social representa o mundo-da-vida, neste módulo os indivíduos se comunicam, criam relações entre si, dão vida a comunidade, enfim, o módulo social possibilita a reprodução simbólicas das estruturas que compõe o mundo-da-vida ingame, isto é, a cultura (reprodução cultural), a sociedade (integração social) e a personalidade (formação da identidade pessoal) [5]. Do outro lado, o sistema foca apenas na reprodução material, e aí encontramos o módulo militar e o módulo político, bem como o módulo econômico, muito embora este esteja bem desgastado pela dinâmica do próprio jogo, arruinado pelo próprio Plato. Dentre esses, contudo, chama atenção o módulo militar, que de certa maneira ressai sobre todos os outros. Nenhuma nação pode se manter forte no jogo sem seus combatentes de elevado dano, que no campo de batalha garantem a supremacia nacional. A princípio não há nada de errado que um jogo aonde existem guerras (no sentido bélico) pressuponha mecanismos de combate e de força, o problema é mais embaixo e o próprio Habermas previu isso.

Segundo este teórico alemão, uma distorção no plano estrutural, faz com que de alguma maneira, os elementos próprios do sistema penetrem nas estruturas de reprodução do mundo vivido, retraindo os processos voltados à comunicação e ao entendimento, em prol do que ele batiza de colonização do mundo-da-vida. Assim, as relações sociais antes mediadas por processos comunicativos, passam a ser determinadas pelo modo de integração sistêmica, que desintegra toda estrutura da sociedade, propondo relações mecânicas, movidas por uma racionalidade com relação a fins, isto é, a racionalidade instrumental e estratégica. Isso fragiliza a solidariedade entre os indivíduos e esvazia os processos políticos e relacionais; “se expande por um lado, o espaço para a manipulação planejada da lealdade dos indivíduos e, por outro, facilita a desconexão das decisões políticas com os contextos específicos do mundo-da-vida” [6].

Do mesmo modo, podemos dizer que à medida que a força dos jogadores ingame determina o grau de domínio sobre todas as esferas, o módulo social e, portanto, o grande alicerce do mundo-da-vida ingame, vê-se imediatamente fragilizado, o que provoca, sem dúvida, o desânimo dos jogadores e a saída massiva (ou não permanência) dos novatos, em outros termos, um colapso social. Há quem diga: a culpa é de Plato. Não duvido! Nem tiro a razão desses que sustentam com tanto afinco que o problema é estrutural, contudo, não posso concordar que seja unilateral. Como fiz questão de demonstrar em outras oportunidades, uma série de fatores contribuiu se não para a origem do problema, pelo menos para a sua intensificação, sendo o principal deles a instauração do modo ditatorial. Não fosse esse instrumento que decapitou de uma vez por todas o módulo social, poderíamos hoje vislumbrar uma situação melhor.

O DESMONTE DO MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES


Ademais, se no início de sua formulação, o MdC funcionava apenas como um portal informativo das notas presidenciais, uma grande revolução em sua estrutura, provou que sua função extrapola a de mero reprodutor de discursos e pronunciamentos oficiais. Sinto-me orgulhoso, não de ter iniciado este processo revolucionário, que em verdade antecede os meus esforços, mas de alguma maneira ter contribuído para seu aprimoramento e, nas épocas mais difíceis, uma voz ativa contra o desmonte e degradação do MdC.

Não foram poucas as vezes que discuti com sangue fervente nas veias em favor da manutenção dos projetos interativos. Bem por isto, insisti naquela brilhante definição do MdE, que em publicação no diário oficial, cristalizou que a função do MdC não é outra, que não a de "desenvolver de forma transparente e participativa, políticas públicas que promovam o acesso da população aos serviços de comunicações do governo. Fazem também parte de suas competências, a promoção de atividades periódicas de cunho informativo, na consequência de manter todos informados dos acontecimentos do ePaís e do eMundo. Na parte interativa, cabe ao MdC realizar atividades de entretenimento, como eventos e concursos, no intuito de movimentar a comunidade e a mídia". Tal a profundidade destas palavras, que elas carregam em si o germe pelo qual nos agarramos durante tanto tempo, tentando de todas as formas salvar a comunidade através do submódulo jornalístico, que seria um ramo do módulo social.

Infelizmente, falhamos miseravelmente nestas tentativas, muito embora, acredito que nem tudo foi perdido, já que durante um curto período pudemos observar um certo renascer da mídia nacional e também dos partidos políticos, que nesta entoada, se propuseram a lançar alguns eventos temáticos e contribuir (cada um a sua maneira) com novos projetos interativos. Esse suspiro, hoje vejo, foi aquele soluço antes da morte.

A LUZ NO FIM DO TÚNEL E A INCREDULIDADE DE TOMÉ


No atual estágio em que as coisas se encontram, parece já não mais haver solução diante desta ruína que se nos apresenta. De um lado os incrédulos, do outro, os hereges. Há muitos que não veem problema no desgaste do módulo social e acreditam piamente, que as coisas são o que são porque tem que ser.

O jogo favoreceu os mais fortes, os mais ricos, os mais poderosos, que com sorriso cínico receberam de bom grado esses privilégios. Sua soberba obscurecem suas faces, que com desdém olham de cima para baixo, como deuses no Olimpo observando os meros mortais. Tratam tudo o que eu falei como mera perfumaria. O MdC é apenas um adorno, dizem. Ora, que ironia, deuses hereges, era só o que faltava. Mas até os deuses tem o seu ponto fraco, o seu calcanhar de Aquiles. Por isso, quanto mais subestimam, mais se aproximam da própria derrocada. O fim deles estará sempre mais próximo, quanto mais acendermos esta luz da esperança que ainda paira no ar.

Ainda podemos recuperar tudo aquilo que foi perdido e esquecido pelo tempo. Tomé precisou ver a mão do Cristo, para crer em sua ressurreição, pois aqui vos apresento a mão da mídia nacional, que ainda vive e pulsa, mesmo tendo sido crucificada pelos falsos deuses do Olimpo e achincalhada por seus seguidores hereges. Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem. Não sabem, porque estão cegos pelo poder que detém. Não sabem, porque lhes falta a competência necessária para escrever um artigo sequer. Não sabem, porque não são criativos e detestam qualquer um que não reverencie o seu poder. Aqui estamos nós diante deles, aqui também essas palavras perfuradas pelo ódio, pela lamúria, pelo caos. No fim, o túnel. No túnel, a luz. Uma luz que nunca se apagará, porque é esta luz que sustenta aquilo que resta do mundo-da-vida e que a partir de agora cabe a nós recuperar.

Jornalistas do eBrasil, uni-vos.


REFERÊNCIAS:

[1] WEBER, Max. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979, passim.

[2] WEBER, Max. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, passim.

[3] HABERMAS, Jürgen. Teoria de la Acción Comunicativa I: Racionalidad de la acción y racionalización social. Madrid; Taurus, 1987, passim.

[4] HABERMAS, Jürgen. Teoria de la Acción Comunicativa II: Crítica de la razón funcionalista. Madrid; Taurus, 1987, passim.

[5] HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico: estudos filosóficos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990, p. 100.

[6] HABERMAS, Jürgen. Teoria de la Acción Comunicativa II: Crítica de la razón funcionalista. Madrid; Taurus, 1987, p. 461.