[MdCult] A Hora do Medo – Pisadeira

Day 4,255, 19:23 Published in Brazil Brazil by Ministerio da Cultura

Segunda-feira, 15 de Julho de 2019, dia 4255 do Novo Mundo
Gabinete da Diversão ou do terror, eBrasil.

Olá, eBrasileiros!

Seja bem-vindos ao mais novo quadro do Ministério da Cultura: A Hora do Medo. Nesse projeto iremos compartilhar com a população, histórias, lendas e contos de terror, sempre que possível correlacionando-o com algum elemento do folclore brasileiro.

Acomode-se na sua poltrona, pegue sua caneca de chá, sintonize a rádio nas músicas de suspense, reduza as luzes do ambiente e venha conosco.






Um frio congelante penetra pelas frestas das portas e janelas, invadindo cada cômodo e cada canto da casa. Mais vazia do que de costume, ecos de Camila esbravejando contra o visitante indesejado podem ser ouvidos mesmo no segundo andar:

- Brrrr, mas que porcaria, nunca mais pego um trabalho extra! - reclama enquanto treme pelo frio.

Camila é uma jovem morena de 25 anos, escritora freelancer há cerca de 4 anos. Apesar da curta carreira já fez seu nome em alguns sites pela internet. Se por um lado a quantidade de pedidos textuais têm aumentado e contribuem para suas finanças, por outro a carga de trabalho tem sido massacrante nos últimos meses.



Apesar de tudo, o hábito da jovem abocanhar mais do que consegue engolir e uma proposta de alto valor falaram mais alto. Em plenas férias de seus pais, a jovem optou por passar a semana em casa mergulhada no trabalho.

As areias da praia de Salvador não pareciam ter encanto outrora, mas nesse momento um gole de café gelado fez a garota lamentar ainda mais sua decisão. O inverno em Minas Gerais era mais severo do que nos últimos anos e, nesse contexto, estar sob as cobertas parecia um convite quase indecente de tão tentador.

Com os olhos voltados para tela de seu notebook ela termina de preencher um novo parágrafo de sua história e procura pelas horas:

- 00:00, já está tarde, ainda tenho quatro dias até o prazo de entrega e o texto já está quase pronto... acho que chega por hoje.

A jovem desliga seu aparelho, suspira profundamente e toma coragem para se dirigir da sala até a cozinha. Chegando lá rapidamente prepara um prato bem generoso com as sobras do almoço e uma lata de refrigerante. A sobremesa da vez, ritual pós-refeição para a moça, é um tradicional bombom de chocolate.

Encerrada a ceia ela trata de verificar se todas as portas e janelas da casa estão devidamente fechadas, parte em direção ao banheiro para a higiene dental e finalmente se desloca ao seu quarto.

Seu precioso tempo de sono deve ser preservado, então sem hesitar Camila fecha a porta, ajusta as cortinas de forma a isolar a luz do luar e um completo breu se instala no aposento. Após jogar-se na cama os cobertores lhe recobrem de forma tão confortável que a expressão ranzinza dá lugar a um sorriso.

- Que coisa boa, é muito bom poder dormir quentinha, hehe.



Breves ajustes de posição são suficientes para que ela consiga se acomodar para um merecido descanso naquela silenciosa noite. Não havia nuvens no céu, apenas uma grande lua cheia e o brilho das estrelas pisavam estar nas ruas naquele momento. De súbito um rangido no teto invade o ambiente.

Camila acorda, mas não se incomoda o suficiente com o ocorrido e volta a fechar seus olhos. Quase simultaneamente uma sequência ruídos se faz presente, semelhantes a passos em pisos de madeira.

- Bobagem... - pensa a jovem.

Sua imaginação estava lhe pregando peças. No pior dos casos um gato ou um gambá encontrou um jeito de se infiltrar no sótão e era a causa do barulho.

O silêncio retorna, tão absoluto quanto antes e convidando-a para retornar ao mundo dos sonhos. Pelo menos era está a proposta já que depois de um breve intervalo de tempo uma luz de fraca intensidade invade o quarto, fazendo-se presente no cômodo pela fresta inferior da porta do quarto.

Apesar de fraca, a iluminação foi o suficiente para fazer Camila abrir os olhos novamente. Nada que lhe causasse espanto em um primeiro momento, pois o peso nos olhos e a sonolência estavam prejudicando suas reações às mudanças no ambiente.

Sem qualquer aviso a maçaneta da porta começa a girar e, agora sim, a garota arregala seus olhos. Definitivamente está apavorada, seus pais deveriam retornar apenas daqui a três dias, estava certa disso, sua mãe havia confirmado essa informação por mensagem horas atrás.




Enquanto raciocinava sobre as possibilidades a maçaneta já havia completado seu giro. A porta começa a se abrir e a escritora prende a respiração, seu corpo não responde, está paralisada. Uma figura horrenda surge do corredor segurando uma pequena vela.



Uma mulher magra de largo traje branco, com dedos finos e longos, unhas amareladas e tortuosas se aproxima lentamente da cama. À medida que a assombração se aproxima outras características vão se tornando mais definidas.

Sua face era monstruosa, de olhos vermelhos e arregalados. Um nariz enorme, queixo revirado e uma boca com dentes apodrecidos completavam o terror. Era difícil definir se aquilo algum dia foi humano.

Os instintos de sobrevivência finalmente falaram mais alto que o horror, mas todo o esforço da escritora parecia ser em vão, seu corpo se recusava a responder. A mulher, percebendo a situação esboça um sorriso macabro e apaga a vela.

O terror toma conta do corpo e da mente da jovem, se antes a situação já era crítica, agora sequer consegue visualizar a ameaça. A tensão só aumenta quando começa a sentir um pé sobre seu peito, esmagando-a e dificultando sua respiração.

Pânico total, pulso acelerado, corpo imóvel. Camila tenta chorar, gritar, pedir ajuda a alguém, mas seu corpo continua a dormir. Uma gargalhada grotesca e estridente do monstro toma o quarto e a jovem desmaia.

Pouco tempo depois, o brilho da noite consegue invadir por entre as cortinas o rosto da jovem. A menina acorda com lágrimas no rosto e senta-se em sua cama. A porta do quarto estava fechada e nada no cômodo fora do seu lugar.

Camila, agora em pleno comando de seu corpo, começa a chorar por alguns minutos. Mesmo que tenha sido somente um pesadelo as emoções foram reais, tinha certeza disso, mas precisava de um tempo para digerir toda a situação.

O medo agora era liberado em forma de alívio e agradecimento, controlava novamente a si mesma, estava viva.



Explicações sobre a história

A personagem monstruosa da história é a Pisadeira, trata-se de uma personagem do Folclore Brasileiro, mais especificamente de São Paulo e Minas Gerais.

De acordo com o folclore, a personagem é uma mulher monstruosa que durante a madrugada pisa na barriga das pessoas com estômago cheio deixando-as com falta de ar.




Existem diversas explicações folclóricas e mesmo místicas para essa história. É possível ainda associar essa história com um fenômeno interessante conhecido como Paralisia do Sono.

Trata-se de um fenômeno esporádico que pode ocorrer com qualquer pessoa, sendo mais comum em indivíduos com narcolepsia ou apneia do sono, mas que não apresenta nenhum risco à saúde.

Nessa situação a pessoa fica imóvel, sem a capacidade de se mover ou falar, como se o corpo estivesse dormindo (pois está no sono REM, o plano dos sonhos), mas a consciência da pessoa está alerta. O quadro dura poucos minutos e seu "tratamento" é conscientizar a pessoa de que a situação irá acabar em breve.

Associado a isso é possível ter alucinações com figuras assustadoras ou mesmo insetos andando pelo corpo. Mesmo assim não há uma explicação consolidada para a causa dessas alucinações e várias figuras comuns são relatadas em folclores de outros países. De fato, existem mais mistérios entre o Céu e a Terra do que sonha a nossa vã filosofia.

E você? Já passou por algo parecido?
Autor: Zero Bone