As Eleições.

Day 1,845, 13:00 Published in Brazil Brazil by Varnhagen
Meus caros amigos,

Esse foi um texto publicado no meu antigo O Jacobino (Día 872, 07:30) quando encarnava a figura folclórica de Mahdi Cleitus. Pena que poucas pessoas e poucos rostos mudaram...

Optar pela democracia, creio eu, não deveria ser nunca uma questão. Pelo contrário, deveria ser lugar-comum, como pipoca no cinema e beijo em novela. Um primo meu, que viveu as agruras do exílio, dizia que certas pessoas nascem com o gene da democracia e outras não. Na sua visão, ao mesmo tempo fria e ao mesmo tempo tórrida do mundo, as coisas já eram dadas à priore, num “calvinismo” de esquerda. Nascíamos de direita, de esquerda. Curioso. No seu espectro político não havia centro...

Quero crer que democracia, ao contrário, não é coisa nata. Não nascemos ou crescemos democráticos. Aliás, a coisa menos democrática do mundo, de deixar Stalin ou Hitler no chinelo, é uma criança nos seus primeiros anos. Com esses, não há possibilidade do diálogo, do contraditório. Desconhecem o outro e suas necessidades, portanto não podem se ver no outro, não reconhecem a alteridade.

Uma definição da psicologia para esses enfants terribles é a do “perverso polimorfo”. O nome já diz tudo: sua perversão tem formas diversas, máscaras variadas. Então, julgo que, de berço, nascemos uns bons ditadores. E mais ainda: com pendores perversos para o totalitarismo. Democracia não. É construção, não cai da árvore. Nos tornamos democráticos. Alguns não, é mister reconhecer e a história está abarrotada desses, tanto no “mundo real” quanto no e-mundo. Mas não são regra, quero crer. São exceção, visto que no Ocidente, a cada dia que passa, a Democracia se torna também cada vez mais um fim, não um meio.

No Brasil –e não há como operar uma divisão entre Brasil e eBrasil, haja visto que somos as mesmas pessoas- temos pouca cultura democrática. Até pouco tempo atrás, parcela significativa do Brasil Real dizia preferir uma ditadura ao modelo democrático vigente. Quero crer que a pior das democracias é preferível à melhor das ditaduras, como não me lembro muito bem quem disse. Mas, como foi dito, a Democracia é uma construção, não brota nos espíritos do dia para noite. Nesse sentido, volto a reiterar: nos tornamos democráticos à medida que vivenciamos a experiência democrática.

Aqui, ainda temos um largo chão a percorrer. Visões cristalizadas, personalização dos assuntos políticos, não observância aos princípios republicanos, patrimonialismo, autoritarismo e tantos outros ismos ainda fazem parte de nosso cotidiano. Muita das vezes o Público é confundido com o Privado (não estou fazendo nenhuma alusão a corrupção, é preciso ressaltar) e quando ocorre essa confusão, ficamos um tanto quanto diminuídos e nossas instituições políticas mais frágeis.

Nessa conjuntura, a Democracia claudica, se esgarça e esquecemos que não foi o povo feito para o Governo mas o Governo para o povo. Não foi feito o povo para o Congresso, mas o Congresso como representação do povo. Parece simples, parece primário. Não é. O exercício da Democracia é uma estrada larga, exige paciência e exige fôlego.

Discordar faz parte do processo, sabemos todos. Não há nada de errado em não concordar com essa ou aquela visão, esse ou aquele pensamento, essa ou aquela decisão. Aliás, é assim que se funciona na Democracia. Onde há pensamento único, há ditadura. Onde há uma só uma visão, só uma verdade, há deuses ou semi-deuses. E somos humanos, demasiadamente humanos, para vestirmos essas máscaras...

A política do eBrasil é, em vários aspectos, um reflexo de nossa política real. E cabe a cada um de nós, do ecidadão que entra hoje no jogo ao mais antigo de nossos ecidadãos, mudar essa realidade que nos atravanca e nos diminui. Quando dermos adeus às praticas autoritárias, ao elogio do discurso único, às tentativas de desqualificação dos indivíduos e discursos outros, ao clientelismo e ao patrimonialismo, com o “Sabe com quem está falando?”, daremos também um salto à frente e novas potencialidades surgirão, como brotoeja em menino no verão.

Democracia se faz com instituições políticas fortes, com isonomia e respeito entre os poderes constituídos da nação, com observância às regras e com o zelo constante, cotidiano pela liberdade de expressão e de pensamento. Afinal, como dizia o velho Voltaire, “posso discordar de tudo o que você diz, mas morrerei lutando para que tenha o direito de dizê-lo..."


Um abraço fraterno,
Varnhagen, aka Mahdi