Nas entrelinhas ou algo parecido

Day 2,045, 06:42 Published in Brazil Brazil by Varnhagen
Meus caros amigos,

Numa democracia, é comum o contraditório, a diferença entre visões de mundo, entre práxis políticas. Quando se pensa em democracia, aliás, se pensa exatamente nisso: no choque entre essas diferentes idéias. Cabe, como sói acontecer em qualquer regime democrático, que a população, de onde emana todo poder, escolha entre as diferentes opções e projetos aquele que conduzirá os rumos do país por um dado período. Quem não concorda com isso, não pode dizer que tem apreço por sistemas democráticos, pois negar essas premissas básicas é negar a própria idéia de democracia.

No Brasil e, obviamente, no eBrasil, já que somos as mesmas pessoas e não acredito numa esquizofrenia coletiva, onde aqui somos uma coisa e no “mundo real” outra, temos pouco apreço pela democracia. Um leitor mais contumaz dirá que estou me repetindo. Meus críticos de plantão, fiéis como a torcida do Flamengo, dirão que falo sempre das mesmas coisas. Tem razão os dois, tantos os leitores quanto os críticos de plantão. Realmente nunca falei outra coisa em O Minarete senão de Democracia, de fortalecimento das Instituições, dos Poderes constituídos da Nação e da necessidade de alargarmos a participação popular nos mecanismos decisórios.

Volto hoje ao tema raiz, a democracia e a construção de um Estado democrático aqui. Talvez algum dia essa discussão seja descartável, rezo para isso. Por enquanto é um assunto que, se não está colocado, se coloca por si só em qualquer pauta ou agenda política. Negar que esse é um assunto “do dia” é, no meu parco entender, assumir que a democracia é um empecilho, apenas um meio para se atingir determinado fim. Entendo eu que a democracia, mais que isso, é um fim em si mesmo. Se nos fizermos democráticos, os outros problemas tendem a serem resolvidos de forma mais efetiva. E se não forem, resta ainda a esperança de recomeçar sempre, como gente e não como gado. Até porque gado é tangido, marcado e morto. Com gente é diferente, dizia uma velha canção de resistência dos anos 60. Pois é, com gente tem de ser diferente...

O contrário da democracia é o autoritarismo e, num grau maior, a opção totalitária. Normalmente essas práxis se caracterizam pela negação da vontade popular e pela afirmação da política como reduto dos “politiqueiros”, dos “canalhas”, da demagogia, de uma forma geral. Nos modelos totalitários, cria-se a figura do “inimigo público” e se desqualifica, através dessa construção, todo pensamento que não é um reflexo da vontade do Líder. Interessante notar que essa construção não é estática: o “inimigo” pode mudar de rosto ou de forma, em consonância com os interesses da “inteligentzia” que ocupa o poder.

Da mesma forma, constrói-se o mito de que sem o Líder, estaríamos mais órfãos que um Robison Crusoé sem Sexta-Feira ou sequer um radinho de pilha e que contrariar o Líder seria, de fato, contrariar os interesses do Estado. Aqui se opera a fusão entre o Estado e o Dirigente, que encarna o Estado. Nessa operação, o povo, de onde emana todo poder constituído, se transubstancia em “massa” amorfa, plasticamente moldada de acordo com os cânones do Líder, que é sua voz, seu pensamento, seu espírito. Ir, nesse sentido, contra o Líder é ir contra o “povo”, pois nessa engenharia, o “povo” só existe como reflexo de seu Senhor. No Antigo Regime, ir contra o Rei era ir contra Deus, pois o Rei governava absoluto porque representaria a vontade de Deus. Graças a Ele evoluímos um pouco, bem pouco, nesse sentido.

É com imensa felicidade; que vejo que não temos muito disso aqui, basta observar os comentários, as falas e as ações dos que estão no poder (ou são o poder, há controvérsias...). Se dissemos muitas vezes que estão dando as cartas por muito tempo, ora, é por competência. Se não somos competentes, alguém haverá de sê-lo. Se somos todos uns boçais que nunca “fizemos nada” pelo país, curvemos nos à taca dos que aí estão e ofereçamos o lombo bruto para uma boa sova, pois só reclamamos, falamos demais e nada fazemos...
Concordemos então, numa coisa: não precisaremos mais pensar, pois há quem pense por nós, quem haja por nós, quem seja por nós o eBrasil que dizem não fazermos parte. E o resto, como gosta “muita” gente, é Iluminação. E quem brinca com Iluminados pode acabar na Santa Inquisição...

Quem tem ouvidos que ouça.
Varnhagen, aka Mahdi