O Soldado #3

Day 2,509, 06:14 Published in Brazil Brazil by Dulkkan

Estampido de pistola. Não havia dúvida. Ao ouvir o disparo instintivamente me abaixei. Não havia nenhuma fresta ou janela naquele lado da tenda então eu não sabia em quê haviam atirado. Um cão começou a latir de dentro de uma das tendas. Aguardei deitando do gramado, esperando o meu possível executor por alguns minutos. Não ouvi passos, e logo o cão também se silenciou.



Agachado, me aproximei da entrada da tenda. Ela ficava de frente para o centro do acampamento. Tentei ser o mais cauteloso possível. Não havia ninguém visível nos arredores, mas era difícil ver se havia alguém dentro das outras tendas. Com meu revólver em mãos, coração palpitando e o medo subindo pela garganta, entrei na tenda.

Era a tenda médica. camas cobriam a lateral direita enquanto caixas e medicamentos cobriam a esquerda. Todas as camas estavam vazias com exceção de uma, próxima ao fundo, onde jazia alguém com uma pistola nas mãos. Ele não se mexia. Me aproximei com cautela, revolver apontado. Quando cheguei mais perto, percebi que o homem estava morto.

Seu braço esquerdo estava dilacerado. Queimaduras cobriam toda a lateral de seu corpo. Provavelmente fora abandonado por acharem que ele certamente iria morrer. Mas não fora os ferimentos que trouxeram sua morte. Da entrada da tenda era difícil ver devido a escuridão lá dentro, mas havia sangue espalhado pelo travesseiro até o fundo da tenda. Ele havia cometido suicídio. Imagino o que tenha acontecido. Teria ele acordado sozinho ali e entendido a situação? Ou teria sua lucidez se esvaído pela dor? Jamais irei saber.

Como ninguém mais veio averiguar o disparo, concluí que não havia mais ninguém naquele acampamento. Verifiquei as caixas e os medicamentos para tratar de meus próprios ferimentos mas estavam todos identificados em linguagem desconhecida. Reconheci álcool pelo cheiro e foi a única coisa que tive coragem de usar. Limpei meu ferimento da cabeça e os cortes que haviam em meus braços. Coloquei algumas bandagens do melhor jeito que pude.

Saí da tenda médica com cuidado. Acreditava estar sozinho, mas não tinha certeza. Decidi verificar as outras tendas por comida e alguma pista de onde estava ou o que havia exatamente acontecido. A tenda seguinte estava vazia, com exceção da mobília. Uma grande mesa se localizava no centro e algumas cadeiras e bancadas cobriam as laterais. Deveria ser aquela a tenda de comando, onde os oficiais de alta patente avaliavam a estratégia e davam suas ordens. Eles haviam levado embora todos os documentos de lá, para minha infelicidade.

A tenda seguinte deveria ter servido de refeitório ou estoque. Havia diversas caixas de enlatados e alguns barris. Sem pensar duas vezes entrei na tenda, cego pela fome e pela sede, e sem sequer verificar enchi o cantil que portava em meu cinto e bebi tudo de uma vez. Enchi mais uma vez e me engasguei de susto ao ouvir um sonoro latido vindo da entrada da tenda. Apontei o revolver mas nada vi. Só então reparei nas três gaiolas no canto da tenda, próximas da entrada.

Eram gaiolas pesadas de metal para transporte de animais. Duas delas estavam vazias, mas em uma havia um pastor alemão. O cão me encarava com ar violento, mas parecia faminto. Há quantos dias estaria ele ali, sozinho? Não poderia ser muitos, pois aquele homem na tenda médica não poderia ter sobrevivido muito tempo por si só sem tratamento. Por que será que este cão estava ali, preso e sem comida então? Percebi haver uma faca presa ao meu cinto. Usei-a para abrir uma lata de feijão e uma lata de carne em conserva. Me aproximei com cautela do animal, que ao sentir o cheiro da carne passou a encarar a lata. Despejei a carne por cima das grades, com medo de que o cão me atacasse. Ele não o fez. Recuou enquanto os pedaços de carne e molho caíam e assim que parou de cair comida ele se atirou no chão da gaiola e comeu vorazmente. O mesmo fiz eu com a lata de feijão.

Alimentado e um pouco mais descansado, decidi que era hora de verificar as demais tendas em busca de uma mochila, pegar algumas latas e água e seguir o meu caminho na direção oposta. Nitidamente estava em território inimigo e não queria permanecer muito tempo mais lá. O cão me encarava, não mais com olhar agressivo, mas ansioso. Esperava que eu o soltasse. Não tinha certeza se deveria soltá-lo, pois ele era um cão de guerra. Certamente treinado para atacar e dilacerar o inimigo, mas minha consciência não me permitiu deixá-lo lá. A gaiola onde ele estava estava fechada por um cadeado. Deveria haver uma chave lá dentro, então decidi procurar.



No momento que me virei para começar minha busca pela chave, ouvi um som. O ruído era constante, um ronco que ficava cada vez mais alto. Se aproximada por detrás da tenda. Saí de lá e espiei cuidadosamente. Um tanque! Aquele modelo me parecia familiar. Seriam aliados? Sentimento de felicidade me dominou mas desapareceu no mesmo instante que o canhão disparou e a tenda de comando a alguns metros de mim explodiu. Eles iriam destruir o acampamento. Se eu tentasse correr e me mostrar, certamente me confundiriam com o inimigo e atirariam sem pensar. Eu tinha que sair dali o mais rápido possível.

Foi então que me lembrei do cão.

Continua.