[RP] Rhône-Alpes I - A Chegada

Day 1,257, 17:27 Published in Brazil USA by Gabriel Felippi



Sumário

Rhône-Alpes I - A Chegada
Rhône-Alpes II - IT'S SABOTAGE
Rhône-Alpes III - A Guerra da Libertação I - Insurgência em Lyon
Rhône-Alpes III - A Guerra da Libertação II - A Batalha de Mont Blanc
Rhône-Alpes IV - A Noite Francesa



A viajem era realmente cansativa. Sair do sertão brasileiro para ir para Portugal num velho Curtiss C-46 não foi uma das melhores coisas que fiz. O avião, que ainda era do Velho Mundo, parecia que ia explodir a qualquer minuto, a fuselagem estava amassada e via-se furos nas asas, provavelmente tiros de velhas guerras. O interior possuía um cheiro de urina insuportável, e, inacreditavelmente, vi ratos a espreitar por entre as caixas de armamento. Marcelo Braga, que sentava-se ao meu lado, disse, percebendo minha consternação vendo os roedores: “Esses ratos moram aqui”. “Como?”, indaguei. “É comum pessoas morrerem nas viagens em aviões precários como estes, então os ratos atacam e devoram toda a sua carne, deixando apenas os ossos. Quando o avião pousa, os ossos são varridos para fora com uma simples vassoura de palha e deixa-se a terra engoli-los”. Fiquei mais estupefato ainda, tanto que não perguntei como as pessoas morrem em viagens aéreas dentro de um avião, e fiquei com medo de saber como mais tarde . Por sorte, a viagem não era muito longa, e descemos na pista de pouso em uma estrada de chão logo de manhã cedo em Algarve, mais precisamente em Faro, uma cidadezinha litorânea ao extremo-sul de Portugal. Desceram alguns conscripts, vi StayAwake, FabioSampaio e Gustavo Hatene. Descarregamos nossas bagagens, colocamos nas costas e corremos para outro avião para ir ao Ródano-Alpes, mas dessa vez um C-53 - também do Velho Mundo mas com melhores condições de voo - nos esperava. A companhia aérea era privada, de um polonês que vende passagens para qualquer cidadão. O C-53 era mais confortável, porém ainda sim não pode ser considerado um bom avião. Confesso que me consideraria mais seguro andando em picadas nas florestas da Amazônia do que voando num cilindro de lata de dezenas de anos. Felizmente a viagem foi tranquila, sem nenhum susto.


Piloto e co-piloto esperando-nos no C-46 - na janela, o tal varredor de ossos sonhando em ser um piloto.

Pousamos em Ródano-Alpes, próximos à Villeurbanne, onde lá nos direcionamos. Mas antes senti a falta de um camarada. Gustavo Hatene não estava entre nós, e fui rapidamente falar com o Marcelo. "Ele foi levado pelos Homens-Ventosas" - dos tentáculos de Platão -, provavelmente nunca mais o veremos" respondeu-me tristemente o líder. Mas tinhamos que seguir em frente. A ideia era nos separar na cidade, ficar solitários ou no máximo em dois, para evitar suspeitas. Nossas roupas velhas e nossas armas não surpreenderam ninguém, estavam acostumados com imigrantes querendo batalhas e emprego, e sendo a cidade um subúrbio gigante com várias casas abandonadas, era um ótimo lugar para sobreviver a baixo custo. Decidi ficar sozinho, e caminhei para o lado oeste da cidade. Encontrei lá, pelas dez horas da manhã, na Boulevard de La Bataille de Stalingrad, esquina com a Rue Charlin Chaplin, uma construção de dois andares, com uma arquitetura que me lembrou muito à belíssima arte Bauhaus, que meu avó contava e mostrava num livro sobre arte do Velho Mundo. Havia em frente à construção um parque, chamado Parc de La Tête d’Or, que ainda permanecia belo, mesmo na falta de vida e na paisagem cinzenta. Pelo tamanho da casa que decidi entrar, obviamente eu não era o único lá, também havia alguns civis morando, civis esses que trabalhavam em Lyon, cidade próxima com muitas empresas. A “botanic” – como consegui ler nas pareder internas, sendo provavelmente esse o nome do lugar – dava fundos à Rue Louis Guérin, onde se tornou um lixão dela. Viviam ali aproximadamente cinquenta pessoas, com uma boa acomodação. Comida, banho, cama, tudo de boas condições para quem não era cidadão polonês. A passividade das pessoas uma com as outras, a falta de contato além dos olhos e dos sinais primitivos do corpo humano, me assustou no começo, mas por outro lado fiquei feliz que eles não conversavam, pois não compreendo nada do francês. Creio que isso era comum de civis que viviam em regiões ocupadas, lembro-me de como ficou o Centro-Oeste quando os mesmo poloneses ocuparam-no há pouco tempo. Desolação era a única coisa que se via nos olhos dos tristes civis que sobreviviam em meio a podridão polaca. Era quase meio dia, andei pelos cômodos e encontrei um quarto vazio. Julguei que ninguém ainda havia se apropriado do local, e lá entrei. Minha mochila, que desde o inicio me acompanhou nas costas, agora era meu sofá. Peguei meu cachimbo e acendi-o. Di uma longa baforada e pensei nos meus camaradas. “O que estariam eles fazendo?”, perguntei-me. “Devo estar hoje às vinte horas no Hôpital de la Croix-Rousse, em Lyon, mas antes devo sabotar alguma empresa polonesa que aqui se instalaram para explorar a honrosa mão-de-obra francesa. Será que conseguiremos libertar Ródano-Alpes? Oh Deus, mal posso esperar para matar polacos!” Terminei de fumar e arrumei as minhas coisas. Dois farrapos velhos eram minha cama e um casaco de sobra que trouxe também servia como cobertor. Comida eu tinha de sobra. Porém eu possuía apenas as armas mínimas de uma batalha, no caso, um rifle francês Berthier. Saí do meu quarto, que nem possuía porta – o que não era problema, afinal, respeito mútuo era a lei e os poloneses sabiam que não havia nada de valor para ser roubado –, e fui para a cozinha improvisada no meio do salão. Havia algumas pessoas comendo no local, tirei alguns pães e os comi. Resmunguei para mim mesmo, em baixo tom, sobre o quão ruim estava o pão, que parecia uma pedra de tão duro. Terminei de comer e resolvi dar uma volta para espairecer.


Alguns civis sentados em frente a botanic, armados para se proteger dos poloneses.

Caminhei pela boulevard, na qual o nome fazia referência à uma grande batalha do Velho Mundo, que segundo meu avô, foi decisivo para o fim dos “Dois I”, que seriam a intolerância e a ignorância. Não é fácil olhar para uma cidade e ver apenas pedras sobre mais pedras, escombros e ruas inanimadas. Desde o Colapso Mundial, que separou o Velho do Novo Mundo, nunca mais se viu vida, felicidade e respeito. Tudo era ódio, xenofobia e guerra. Morte, sangue e, consequentemente, fim das emoções boas dominavam sobre a mente humana. A passividade com o próximo e, muitas vezes, o prazer em rebaixá-los era o novo “zeitgeist” da humanidade. Os poucos que não eram assim eram rapidamente marginalizados e ridicularizados. Julgo-me um híbrido dos dois campos, sinto um prazer em ridicularizar, mas não os inocentes, mas sim àqueles que julgo serem os “grãos-ridicularizador”, mas ao mesmo tempo sinto admiração e vontade de ajudar àqueles que não possuem muito e querem aprender. O Novo Mundo é assim, esteja com eles, ou morra sem eles. Durante a minha reflexão, eu percebi que havia alguém na rua, mas ignorei inicialmente, pensando ser um civil refletindo sobre a sua vida assim como eu. Sentei-me no meio-fio da rua, pequei um gole de aguardente que tinha trago do Brasil e tomei um trago. Aquilo desceu deliciosamente queimando a minha garganta, numa espécie de combustão interna, como se aquilo fosse o meu combustível. Quando guardei a garrafa no bolso do casaco, ouço “Dê-me um gole, por favor?”. Num susto, pulo para trás, me viro em direção da voz e fico em posição de defesa; a última coisa que esperava na França era ver um brasileiro. Ele sorriu, estendeu a mão e pediu novamente o gole. Tirei a garrafa, ainda atônito, e di a ele, que tomou um trago, fez uma pequena careta e disse radiante, com um grande sorriso estampado na cara: “Nossa, há muito tempo que não tomo isso. Nordestino, certo?”. Assenti com a cabeça, e pedi como sabia que eu era brasileiro. “Vi você resmungando em português com o sotaque tupiniquim enquanto comia no salão do botanic". Perguntei o que fazia na França, pois não parecia ser de um exército e nem de uma milícia.
- Estou aqui morando aqui, gosto muito dos franceses e ficarei com eles sempre. Nossa! Esse aguardente é muito bom, desde os meus dezoito anos que não tomo alto tão bom como isso.
- E veio com que idade para cá? - perguntei
- Com dezesseis anos. Ainda não era maduro, mas a vontade de defender os franceses esteve comigo desde sempre.
- Me chamo Gabriel, e qual é seu nome, meu camarada? - confiando a minha identidade ao franco-brasileiro.
- Não importam os nomes nessa hora, meu caro, depois de hoje é provável nunca mais nos veremos. Não sou um homem que vive parado, não sou um homem que se encontra no fim de semana e se chama para ir no bar. A França sempre está ocupada e sempre tenho aonde ir para defender esse belo solo. – eu sabia o porquê nós nunca mais nos veríamos, e ele percebeu isso.


Soldados sem álcool é o mesmo que o Novo Mundo sem guerras.

Convidei-o para sentar no meio-fio comigo, e começamos a falar sobre os poloneses e a aliança ONE. Ele possuía um nítido sotaque da língua francesa, onde o “l” parece uma canção e o “r” está sempre te convidando para uma noite. Durante a conversa, perguntei curiosamente:
- Trabalhas para poloneses?
- Tecnicamente sim, mas não chamaria de “trabalho” – sorriu maliciosamente. Então percebi que a Resistencia Partisan não era única e inovadora. A sabotagem não foi algo inventado por nós, já existia e sempre existirá – Mas já trabalhei hoje, pela manhã. Vamos, se ainda queres trabalhar hoje, deve procurar algo antes das duas horas. Vá para Lyon, ao sul há algumas empresas, lá conseguirá trabalho e algum zloty para trocar por ouro na casa de câmbio.
- Ok, mas antes de ir, mais um gole, em memória ao Brasil - sugeri.
- Certo e tomamos aquilo como se fosse ambrosia. Ele disse que iria cuidar das armas na botanic, e eu rumei em direção ao rio Rhône, como chamam os franceses o rio Ródano, segundo meu novo camarada, assim como Rhône-Alpes é Ródano-Alpes - e confesso, o nome em francês é muito mais belo. Atravessando o rio, eu iria chegar em Lyon e conseguir dinheiro para levar aos camaradas da Resistencia.








Gabriel Felippi,
Wine, World, Write.